Sete anos e um livro: como foi o caminho para o lançamento de "O que os psiquiatras não te contam"
Meu livro entra em pré-venda hoje pela editora Fósforo!
“O que os psiquiatras não te contam” é uma obra sobre psiquiatria, ciência, história, política e muito mais. Lá, eu falo sobre temas como ensaios clínicos, remédios psiquiátricos, psicoterapia e imagens coloridas do cérebro. Mais do que tudo isso, no entanto, é um livro que fala sobre pessoas e suas emoções.
Como vocês podem imaginar, um livro que tenta falar sobre tudo isso demanda uma preparação longa. O making of desse projeto foi tão emocionante quanto a sua produção. Por isso, descrevo alguns dos passos que me levaram às 250 páginas da obra - que eu espero que interessem quem gosta de conhecer como a ciência realmente funciona (e não como gostaríamos que ela funcionasse).
“O que os psiquiatras não te contam” existe porque nos idos anos 2018 – uma espécie de Era Mesozoica, também conhecida como antes da Pandemia – fui incitada a assumir um desafio: falar publicamente ideias que eu antes só dizia em conversas particulares. Uma tarefa que condensava anos de atividade clínica e científica e que continha um tanto de rebeldia.
Desde o primeiro toque na página em branco do Word, ficou claro que seriam necessárias muitas pesquisas e conversas. E assim começou a leitura de algumas dezenas de livros sobre a história da medicina e da psiquiatria. Nesse sentido, sou particularmente grata a vários psiquiatras e historiadores que me ajudaram a situar o surgimento dos remédios para doenças mentais no tempo e no espaço.
Estimulada pelos relatos históricos, fiz as malas e fui até a cidade alemã de Heidelberg, cuja Universidade abrigou personagens importantes da história da psiquiatria como o psiquiatra e filósofo Karl Jaspers e o psiquiatra biológico Emil Kraepelin. Esses últimos mencionados ao longo do livro por terem ajudado a delinear a psiquiatria na primeira metade do século 20.

Contudo, apesar de sua clara importância histórica, o principal objetivo da minha estadia na Europa não estava na pequena cidade alemã. Meu destino era um hospital psiquiátrico suíço onde foi testado o nosso primeiro remédio antidepressivo, uma substância que faz parte até hoje da nossa caixa de ferramentas.
Para alcançar a instituição que me interessava, lá fui eu pedalando ao redor do lago que divide as fronteiras da Suíça, da Alemanha e da Áustria, atravessando rebanhos de ovelhas sendo conduzidas por fiéis cachorros de pastoreio.
Nas margens do Lago Constança, encontrei o hospital psiquiátrico de Münsterlingen onde trabalhou até se aposentar o psiquiatra Roland Kuhn, que é um personagem de destaque nas histórias que escolhi contar.
Escolhi tais histórias porque, a partir de 1950, a psiquiatria foi profundamente impactada pelo surgimento dos remédios que podiam ser aplicados no tratamento de doenças mentais. Rever como esses fármacos entraram nas nossas vidas foi essencial para refletir sobre os impactos dessa comunhão entre psiquiatria e farmacologia, chamada de psicofarmacologia.
Foi inclusive andando pelas ruas do bucólico povoado de Münsterlingen que fiquei sabendo do Carnaval dos loucos de 1954 e do encontro do filosofo crítico da psiquiatria Michel Foucault com o psiquiatra Roland Kuhn. Um encontro que inaugurou a minha reflexão a partir da filosofia e que me levou a novas leituras de antropólogos(as), filósofos(as), psiquiatras, psicanalistas e sociológos(as). O que foi ao mesmo tempo uma forma de “biblioterapia” para minhas angústias e de pesquisa para a última parte do livro.
Toda essa pesquisa deu origem, inclusive, a uma discussão quanto ao significado de como testamos os efeitos dos remédios psiquiátricos que culminou em convites para falar para os psiquiatras em formação na Universidade de São Paulo (USP) e na Universidade Federal do Estado de São Paulo (UNIFESP) e em dois artigos escritos em parceria com o psiquiatra e psicanalista Rodrigo Lage Leite, um publicado na Revista Brasileira de Psicanálise e outro no Jornal de Psicanálise.
Os desafios da comunicação
Só que não adianta escrever um livro se ninguém for lê-lo, e meu público-alvo não era composto exclusivamente de profissionais da saúde. Por isso, foi preciso diversificar os meios de comunicação e investir em uma divulgação por meio das redes sociais para alcançar também quem não circula pelas instituições de pesquisa. Afinal, é um debate que importa à qualidade de vida das pessoas como um todo.
Ressuscitei e profissionalizei então um perfil que estava adormecido e comecei a produzir posts. Uma tarefa que envolveu uma dedicação de algumas horas por semana, uma equipe de apoio e estar atenta aos assuntos mais quentes. Num segundo momento, entraram os vídeos, para os quais precisei me livrar do meu tom acadêmico para não por a audiência para dormir. Foi trabalhoso, não nego, mas uma equipe particularmente divertida amenizou os esforços e sempre é bom aprender a se comunicar melhor.
As redes sociais foram um bom começo para ampliar o potencial público que poderia se interessar pelo livro, mas ainda não era suficiente. Como os textos e vídeos que melhor funcionam nas redes são curtos, optei por ocupar um outro espaço onde pudesse publicar conteúdos mais longos e trabalhados. Foi assim que nasceu a newsletter Muito Além do Cérebro, que com uma nova edição a cada duas semanas tenta trazer o que rola nos corredores da academia para o público geral.
O preparo do livro, no entanto, demandou ainda uma etapa adicional. Depois de tantos anos aplicando a linguagem científica, é desafiador falar para o público não especializado. O aprendizado que começou com a divulgação via redes sociais precisou ser turbinado. Para isso, contei com a ajuda de muitas pessoas de outras áreas para ajustar o texto em um formato menos enigmático, sem cair em simplificações grosseiras.
Enquanto a necessidade de sermos didáticos nos puxava para um lado, o desejo de ser precisos e deixarmos clara a complexidade do tema nos empurrava para o outro. Foram meses de discussão e ajustes de formatos, idas e vindas de edição e reordenações. Em alguns momentos, chegamos a discussões com emoções à flor da pele, como se a escolha das nossas palavras fosse caso de vida ou morte!
Seria melhor manter uma ordem cronológica ou uma abordagem por temas? O quanto deveríamos explorar as analogias mundanas? Fazer paralelos com elementos da ficção aproximaria o leitor do texto? Ou seria melhor presar pela concisão, já que hoje somos todos muito ocupados e muitos poucos terão estômago para um livro de 500 páginas? E quanto as referências, qual seria o melhor formato pensando em um público que não seria necessariamente composto por pessoas com familiaridade com os textos acadêmicos?
Nesse processo, foram redigidas páginas e mais páginas e dessas, menos de um terço alcançou a versão final. Abandonamos temas e capítulos inteiros. Escolhemos poucas entre as dezenas de analogias mundanas e a maior parte dos paralelos com a ficção ficou de fora. As referências foram reduzidas ao essencial.
É claro que foi preciso fazer escolhas, e que posso ser cobrada por algumas delas. Mas o mais importante é que entre mortos e feridos, todos sobreviveram!
O processo editorial foi certamente uma experiência intensa e gratificante. Espero que os leitores gostem do resultado, porque não tenho dúvida de que foram válidas as horas gastas e preciosos os sentimentos vivenciados.
O que desejo demonstrar com este making of é que o livro não foi escrito em poucos meses. Foi um trabalho amadurecido ao longo de sete anos, que condensa uma experiência de vida e muito tempo de estudo, que dependeu de muita dedicação e um desejo enorme de contar essas histórias.
E agora que finalmente as histórias estão entregues e vocês já podem adquirir o livro no site da editora Fósforo ou, a partir do dia 10 de março, na livraria de sua preferência. Vou adorar saber o que acharam!